MACROMICRO A CIÊNCIA DO SENTIR      

 

PREFÁCIO

        

“Quando Maria Beatriz Breves Ramos me convidou para escrever este prefácio, senti-me muito honrada, porém, preocupada frente à complexidade do tema que deveria abordar – “Física e Psicanálise”. Meus conhecimentos sobre física eram muito rudimentares, mas a leitura preliminar deste livro estimulou-me tanto, que aceitei o desafio e aqui estou, transmitindo aos leitores os meus pensamentos e, principalmente, as minhas vivências ao escrever estas linhas.

 

Os primeiros pensamentos que me surgiram foram sobre a possibilidade que Maria Beatriz tem de um caminhar científico não hermético, à medida que amplia o campo da ciência psicanalítica e da ciência da física ao inter-relacioná-las.

 

Isso levou-me a observar um pouco o desenvolvimento histórico da humanidade, na busca do conhecimento; antes do advento das ciências, portanto desde os tempos pré-históricos, o ser humano encontrava nos mitos os elementos de orientação com a finalidade de buscar a sobrevivência.

 

O desenvolvimento da consciência reflexiva e o surgimento da matemática e da astronomia permitiram que o pensamento mítico fosse substituído pelo pensamento racional. O saber conservava uma observação global do mundo e do homem. O filósofo era o seu representante e tinha o conhecimento sobre a existência e as relações do homem, mas, com o surgimento da ciência moderna, de Galileu e Newton, houve uma mudança de enfoque. A ciência moderna passa a dividir o homem para poder estudá-lo e com isso houve uma prodigiosa expansão do conhecimento

 

As disciplinas isoladas arriscam-se a perder o sentido do humano; por exemplo, a medicina tornou-se a ciência da especialidade. Há falta de clínicos gerais, que possam ter a visão de conjunto de saúde humana, não somente fisiológica mas também psicológica.

 

O hermetismo das disciplinas isoladas leva à perda do sentido do humano e, no entanto, por maios rigorosas que sejam, todas as ciências são ciências do homem e necessitam ter, como referencial, o respeito pela pessoa humana e sua presença na terra.

 

É importante a interação do conhecimento, que ajuda o cientista da especialidade a não perder a integridade humana e incorrer na probabilidade de graves enganos.

 

A comunicação entre os cientistas é fundamental para suprir essa falha, porém, encontros entre especialistas não podem ser considerados como simples trocas de dados, mas como a abertura de um espaço recíproco, onde é aceita a necessidade do outro, o que ajuda a queda do pensamento onipotente – dono da verdade.

 

Assim, os conflitos entre as ciências cedem lugar ao trabalho de busca em comum e impõem a boa vontade para conseguir o entendimento entre as ciências.

 

Há alguns anos, venho sentindo a importância para a psicanálise de permitir a ampliação dos seus horizontes através da troca de informações provindas de outras áreas do conhecimento.

 

Cheguei a essas idéias primeiramente no meu trabalho de psicanalista de adultos, o que me levou à busca da psicanálise de crianças e à observação da relação mãe-bebê. A seguir, o meu questionamento sobre a importância no momento do parto, desembocando nos últimos 6 anos nas pesquisas sobre a vida embrionária e fetal.

 

Evidentemente, surgiu desde o início a necessidade do auxílio das ciências médicas, tais como a embriologia, a genética, a neurologia, a obstetrícia, a ultra-sonografia fetal, a neonatologia, a pediatria, a fonoaudiologia, a fisioterapia e muitas outras.

 

Senti que a psicanálise respondia a algumas questões, a medicina a outras, mas uma área grande mantinha-se como incógnita – “O que se passa entre o feto e a gestante? Entre o bebê e a sua mãe? E entre um homem e uma mulher ao conceberem?”

 

Vislumbrei a estrada da física, onde talvez eu pudesse obter esclarecimentos que fundamentassem as minhas fantasias sobre o assunto. Aqui, eu e Maria Beatriz nos encontramos.

 

Ela foi-me apresentada através de alguns dos seus trabalhos. Posteriormente, conhecemo-nos pessoalmente quando ela veio a São Paulo, a meu convite, para apresentar uma conferência sobre um dos seus temas para o nosso grupo multidisciplinar ABREP-Santos (Associação Brasileira para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal da Cidade de Santos).

 

Esses acontecimentos foram marcantes para as minhas buscas. Senti que ali poderiam estar as respostas para as minhas questões. Beatriz acenava com um ponto crucial, vibrante: falava sobre os vínculos humanos em suas raízes; falava de fenômenos vibratórios e ondas eletromagnéticas.

 

Os nossos encontros têm sido intensamente proveitosos, dentro de um clima instigante. Vale a pena ressaltar o fato de sermos duas psicanalistas também tem ajudado muito a nossa liberdade de expressão, à medida que a dificuldade de linguagem nessa área estava facilitada.

 

Recentemente, Beatriz enviou a São Paulo uma cópia organizada dos seus trabalhos, já sob a forma de um futuro livro. Após alguns dias, perguntou-me sobre o meu parecer, ao que respondi com convicção sobre a importância das idéias ali colocadas. Passo seguinte: Beatriz convida-me para fazer o prefácio, o que tem sido para mim uma oportunidade singular para reflexões.

 

Vejo como é importante para a ciência que existam cientistas que se permitam imaginar, sonhar, fantasiar, enfim criar hipóteses de investigação. Beatriz é uma dessas pessoas, a qual, além disso, é suficientemente corajosa para publicar.

 

Todos os fatos científicos, enfatizo, todos sem exceção, nascem a partir de uma ficção científica. Chamo a ambos FC – ficção científica e fato científico, questão em constante dialética: a ficção pode transformar-se, com o método científico de investigação, em fato científico, para, a seguir, facilitar a criação de novas ficções e assim por diante. Esse é o caminho da ciência. Jamais se devem criticar as idéias imaginativas, mas recebê-las como possíveis sementes que poderão brotar, crescer e frutificar.

 

Beatriz acena com hipóteses criativas sobre a emoção humana e busca torná-las científicas com ajuda multidisciplinar, principalmente da física. Apresenta um trabalho árduo e transmite-o numa linguagem acessível, principalmente para o leigo em física. Usa o paradigma da física para expressar uma nova percepção da psicanálise. Reúne pontos cruciais da física, como relatividade, noção de  espaço-tempo, movimento e física quântica, para definir realidades e depois envereda pelos caminhos da psicanálise. Usa terminologia contemporânea para atualizar-se na psicanálise e atualizar a psicanálise.

 

Em verdade, Beatriz não mistura física com psicanálise, mas constrói a ponte de comunicação entre ambas e com isso enriquece o âmbito das duas ciências.

 

Volto agora para as minhas vivências ao escrever este prefácio. Após essas primeiras reflexões que relatei, pedi a Beatriz tempo para escrever o prefácio, já que eu estava muito angustiada com a física. Não me sentia apta para escrever sobre essa ciência. Percebi que necessitava de aulas de física para sentir-me autorizada a escrever sobre ela.

 

Escolhi um professor que fosse muito versado em física. Alguém muito preparado, professor universitário em vias de defender sua tese de doutorado. De forma bem tradicional, esperando ter as minhas aulas formais, fui para a casa do professor na hora combinada. Esperava que sentaríamos ao redor de um mesa onde abriríamos os livros e iniciaríamos os nossos estudos tendo à frente um relógio.

 

Porém, assim que chego, o professor Moacyr Lacerda convida-me para sentarmos no jardim, sob uma linda árvore, pois ali seria o lugar mais apropriado para o que tínhamos para conversar  (Moacyr já tinha lido o livro de Beatriz).

 

A tarde estava linda, o céu azul, pássaros, muitos pássaros cantando, quebrando o silêncio no alto daquela montanha. O que é relatividade? E a relatividade da vida/ O que é o tempo? O que é a morte? O que é a ordem?  O que é a desordem?  O que são sentimentos?  Como é linda a vibração da vida! O que são as trocar entre as pessoas?  O que era aquele momento donde brotava a concomitância dos nossos pensamentos?

 

Senti-me transportada no tempo, talvez junto a Sócrates, procurando o entendimento nos movimentos mais simples da vida. À minha frente, descortinava-se uma linda paisagem e eu registrava o movimento das folhas embaladas pelo vento, o pássaro que tocava a superfície espelhada da piscina produzindo ondas, a vibração aguda do latido nervoso dos cães e o cacarejar assustado das galinhas, a visão da jabuticabeira cujos frutos formavam um tapete negro sob a árvore, anunciando a possibilidade de novas vidas. Falávamos sobre física e os meus sentimentos estavam livres.

 

A minha pretensão era, como já disse, estudar física e, no entanto, eu estava vivendo a física. Sem que me desse conta, a física estava entrando em mim, experiência essa que vivi quando a minha psicanálise deixou os livros e passou a correr nas minhas veias, estando eu no divã.

 

Nesse estado de contemplação e estudos, a noite nos surpreendeu. Não sentimos o tempo passar. Tive muitas aulas e, gradativamente, fui vislumbrando o universo da física, atraente e animador mas também misteriosos e assustador. Descobertas críveis mas também incríveis. As minhas emoções permeavam a minha aprendizagem e esta permeava as minhas emoções. Observo que não existem fronteiras para estes fenômenos que vivi. Como delimitar o campo da psicanálise e o campo da física?  Falar de uma é falar da outra. Isso talvez sirva para mostrar que todos os fenômenos do universo são inseparáveis; fazem parte do conjunto maravilhosos que chamamos de natureza.

 

O estimulo que este livro da Beatriz representa atiça-nos a indagar sobre a existência de realidades muito mais profundas e que os nossos sentidos sejam apenas a porta de entrada para o que um dia possamos via a conhecer. Sermos, portanto, capazes de alcançar os pensamentos que estão soltos em busca de pensadores (Bion).

 

Percebo que a tarefa de escrever este prefácio tomou rumo e desembocou em espaços completamente diferentes dos que eu a principio imaginara, mas que enveredou pelo caminho do sentir, e que não poderia ser outro. Agora, aqui estou eu, tentando transmitir a você, leitor, toda a vibração, entusiasmo, medos, curiosidades, preocupações, pretensões e revelações que vivi nestes 4 meses de preparo deste prefácio, que me permitiram mergulhar no espaço descortinado pela Beatriz. Dou-me conta de que não escrevi nem sobre física nem sobre psicanálise, mas busquei a harmonia ao descortinar a desordem através das minhas emoções.

 

Sugiro que os leitores naveguem pelos caminhos das hipóteses da Beatriz, procurando encontrar as próprias idéias imaginativas e, assim, conseguir alcançar a ciência do sentir.”

 

Therezinha Gomes de Souza Dias

Psicóloga, Psicanalista, Membro efetivo e docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo – SBPSP; Presidente da Associação Brasileira para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal da Cidade de Santos – ABREP-Santos.